Terceirizar é contratar por meio de terceiros, por intermédio de uma empresa terceirizada. A modalidade, que teve início na década de 1970 no Brasil, foi ganhando corpo e se tornou uma das principais formas de contratação principalmente em grandes empresas.
A princípio, eram contratados serviços que não estavam relacionados à atividade principal da empresa, por exemplo: vigilância, limpeza, transporte, as chamadas atividades meio.
Com o tempo, a contratação via terceirização foi sendo ampliada. Os terceirizados têm salários mais baixos, jornadas mais extensas e menos direitos que os trabalhadores ligados às categorias das atividades principais das empresas. Assim, a terceirização passou a ser utilizada, em muitos casos, como interposição fraudulenta de mão de obra. Ou seja, as empresas contratam terceiros para fazer os serviços relacionados à sua atividade-fim com o objetivo de economizar à custa dos direitos desses trabalhadores. Os bancos, por exemplo, têm terceirizados que atuam diretamente nas contas dos clientes, tendo conhecimento, inclusive, de informações sigilosas.
A liberação da terceirização pode significar o fim do emprego com direitos previstos nas Convenções Coletivas de Trabalho (CCTs) das categorias profissionais.
STF pode admitir a terceirização até na atividade-fim
Por atuar dessa maneira, muitas empresas perdem na Justiça do Trabalho ações ingressadas pelos trabalhadores terceirizados. Com base na Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho – único instrumento que protege a classe trabalhadora da precarização do emprego – conseguem comprovar a ilegalidade da terceirização na atividade-fim do empregador e a responsabilidade que a empresa contratante tem sobre esses empregados.
A Súmula 331 entende a terceirização da atividade-fim como uma maneira de o empregador intermediar mão de obra de forma fraudulenta, visando barateá-la. Muitos terceirizados conseguem, assim, provar que exerciam funções similares aos contratados diretos e os juízes reconhecem seu vínculo com a empresa, determinando o pagamento de direitos, como, no caso dos bancários, os que estão na CCT.
Mas, na quarta-feira 9, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode sacramentar a terceirização de todas as atividades das empresas e, com isso, instaurar a precarização das relações de trabalho para milhões de brasileiros.
Está previsto para esta data o julgamento do Recurso Extraordinário 958252, para derrubar decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que definiu a terceirização praticada pela Cenibra (Empresa Brasileira de Celulose) como “transferência fraudulenta e ilegal” de mão de obra, com o “nítido propósito de reduzir custos de produção” com base na Súmula 331.
A decisão do Supremo terá repercussão geral, ou seja, valerá para todas as demais instâncias da Justiça. Com isso, se votar a favor da terceirização, a Súmula 331, contestada pela Cenibra, perderá a validade.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) também já divulgou parecer em 10 de novembro de 2015 sobre essa ação da Cenibra e afirma: contratar terceiros para realizar atividades-fim de uma empresa é fraude à legislação trabalhista.
Outras três ações querem a liberação da terceirização nas atividades-fim além da Celulose Nipo Brasileira (Cenibra): a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e de empresas de call center. Todas querem que o STF julgue inconstitucional a Súmula 331. A CUT é amicus curiae – recurso pelo qual se manifesta parte interessada e pede para ser ouvida no processo – na ação da Cenibra.
Pressão virtual – Em uma era em que o engajamento virtual ganha cada vez mais força, os bancários podem pressionar os ministros do STF pedindo que votem não à terceirização (clique aqui). Os trabalhadores também podem protestar nas redes sociais usando a hashtag #TerceirizaNãoSTF.
A terceirização no setor financeiro
Os terceirizados do setor financeiro ganham em média 1/3 do salário dos bancários, têm jornada maior e não usufruem de diversos direitos da Convenção Coletiva de Trabalho. A Participação nos Lucros e Resultados (PLR) é muito menor.
Graças à Súmula 331, muitos terceirizados pelos bancos têm reconhecidos direitos da categoria bancária justamente porque prestam serviços nitidamente bancários. Ou seja, apesar de terceirizados, realizam a atividade-fim dos bancos, como abertura de contas, concessão de crédito etc.
No mercado de trabalho, de uma forma geral, o empregado terceirizado ganha em média 27% menos, trabalha três horas a mais por semana e fica cerca de 2,6 anos a menos no mesmo emprego. Os dados são de pesquisa elaborada pelo Dieese em conjunto com a CUT.
A terceirização já tomou muitos setores dos bancos, mas se a votação do Supremo Tribunal Federal liberar a terceirização, essa situação pode se agravar ainda mais.
A secretária-geral do Sindicato de São Paulo, Ivone Maria da Silva, lembra que na década de 1980 a categoria bancária reunia cerca de 1 milhão de trabalhadores. “Mas ao longo das últimas décadas, foi reduzida pela metade. E isso não aconteceu porque o setor financeiro diminuiu. Ao contrário, as instituições financeiras cresceram, seus lucros subiram mais de 1.000% em termos reais desde 1994. Além disso, o volume de contas correntes mais que dobrou nos últimos anos, bem como a relação crédito/PIB.”
Qual foi a “mágica” então? “Os banqueiros terceirizaram. Os postos de trabalho bancário diminuíram em muitos casos porque foram ocupados por funcionários de outras empresas que, apesar de realizarem os mesmos serviços, ganham em média 1/3 do salário, têm jornadas bem maiores e não usufruem dos direitos previstos da Convenção Coletiva de Trabalho, como a PLR. Ou seja, muitos que eram bancários são hoje terceirizados e outros tantos podem perder seus empregos se os bancos não tiverem mais nenhum impedimento legal para contratar terceiros.”
A terceirização também está na pauta do Congresso Nacional
O chamado PL da Terceirização está em trâmite no Legislativo brasileiro. Inicialmente era chamado Projeto de Lei 4330, de 2004, e passou a ser Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015. É uma grande ameaça aos direitos da classe trabalhadora, especialmente da categoria bancária. Sob o pretexto de regulamentar a terceirização no país, acaba por legalizar a fraude e a precarização do emprego. Isso porque permite que as empresas terceirizem até mesmo sua atividade-fim, aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa, seu empreendimento.
Se o PL da Terceirização for aprovado pelo Congresso Nacional, cairá a Súmula 331 e o entendimento do TST não mais valerá (leia abaixo carta).
A tramitação do PL 4330/2004, na Câmara dos Deputados, acabou em 22 de abril de 2015. Hoje ele está no Senado, já com o nome PLC 30/2015.
“Há um forte lobby da CNI (Confederação Nacional das Indústrias) e da Fenaban (federação dos bancos) para que o PL seja aprovado, porque está de acordo com os interesses da classe empresarial”, ressalta a presidenta do Sindicato de São Paulo, Juvandia Moreira.
Veja os pontos mais nocivos do PL da Terceirização
Empresas sem empregados – O projeto autoriza a contratação de serviços terceirizados desde que a empresa seja “especializada”. Assim, acaba por permitir que as empresas terceirizem até suas atividades-fim, o que hoje é proibido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Isso, segundo a CUT, seria o sonho dos empregadores: a possibilidade de uma empresa sem empregados.
Responsabilidade solidária – Além de liberar a terceirização nas atividades essenciais da empresa, o PL da Terceirização acaba com a responsabilidade solidária. Isso equivale a dizer que se a terceirizada não arcar com as obrigações trabalhistas, a tomadora de serviços (no nosso caso, o banco) pode não ter qualquer responsabilidade pelos trabalhadores que prestavam serviço a ela e nem ser cobrada na Justiça.
Responsabilidade subsidiária – No caso de a terceirizada não pagar suas obrigações trabalhistas, o projeto determina a responsabilidade subsidiária da contratante. Isso significa que ela só poderá ser acionada na Justiça após encerradas todas as possibilidades de cobrança da terceirizada. A CUT defende a responsabilidade solidária, de acordo com a qual, as duas empresas respondem pelas dívidas.
Sem isonomia – O PL da Terceirização defende isonomia apenas no direito de terceirizados usarem os mesmos banheiros, refeitórios, ambulatórios e creches da empresa contratante. Mas a CUT quer isonomia de salários e direitos entre terceirizados e funcionários diretos.
Quarteirização – O projeto também permite que a prestadora de serviços contrate outra empresa para tal. Isso se chama quarteirização e apresenta ainda mais riscos aos direitos dos trabalhadores.
Correspondentes bancários – Determina que as prestadoras de serviço tenham um objeto social único, mas essa regra não se aplica ao setor financeiro, pois o projeto permite o funcionamento dos correspondentes bancários. Por exemplo, o objeto social de lojas de roupa é vender roupas, mas muitas lojas podem, além disso, realizar operações bancárias.
Queda de qualidade – Com salários baixos, alta rotatividade, jornada extensa e pouco treinamento entre os empregados, os serviços prestados pelas terceirizadas em geral são de baixa qualidade. Com isso perdem também os consumidores.
Mais acidente e adoecimento – De cada dez acidentes de trabalho, oito envolvem funcionários de terceiras. As condições precárias de trabalho vitimam os trabalhadores e resultam em gastos previdenciários e com saúde, ou seja, toda a sociedade paga o preço.
Leia íntegra de carta dos ministros do TST
Brasília, 27 de agosto de 2013
Excelentíssimo senhor deputado Décio Lima
Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania
A sociedade civil, por meio de suas instituições, e os órgãos e instituições do Estado, especializados no exame das questões e matérias trabalhistas, foram chamados a opinar sobre o Projeto de Lei nº 4330/2004, que trata da terceirização no Direito brasileiro.
Em vista desse chamamento, os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, infra-assinados, com a experiência de várias décadas na análise de milhares de processos relativos à terceirização trabalhista, vêm, respeitosamente, apresentar suas ponderações acerca do referido Projeto de Lei:
I. O PL autoriza a generalização plena e irrefreável da terceirização na economia e na sociedade brasileiras, no âmbito privado e no âmbito público, podendo atingir quaisquer segmentos econômicos ou profissionais, quaisquer atividades ou funções, desde que a empresa terceirizada seja especializada.
II. O PL negligencia e abandona os limites à terceirização já sedimentados no Direito brasileiro, que consagra a terceirização em quatro hipóteses:
1- Contratação de trabalhadores por empresa de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.06.1974);
2- Contratação de serviços de vigilância (Lei n 7.102, de 20.06.1983);
3- Contratação de serviços de conservação e limpeza;
4- Contratação de serviços especializados ligados a atividades-meio do tomador, desde que inexista a personalidade e a subordinação direta;
III. A diretriz acolhida pelo PL nº 4.330-A/2004, ao permitir a generalização da terceirização para toda a economia e a sociedade, certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais.
Neste sentido, o Projeto de Lei esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em ´prestadores de serviços´ e não mais ´bancários´, ´metalúrgicos´, ´comerciários´ etc.
Como se sabe que os direitos e garantias dos trabalhadores terceirizados são manifestamente inferiores aos dos empregados efetivos, principalmente pelos níveis de remuneração e contratação significativamente mais modestos, o resultado será o profundo e rápido rebaixamento do valor social do trabalho na vida econômica e social brasileira, envolvendo potencialmente milhões de pessoas.
IV. O rebaixamento dramático da remuneração contratual de milhões de concidadãos, além de comprometer o bem estar individual e social de seres humanos e famílias brasileiras, afetará fortemente, de maneira negativa, o mercado interno de trabalho e de consumo, comprometendo um dos principais elementos de destaque no desenvolvimento do País. Com o decréscimo significativo da renda do trabalho ficará comprometida a pujança do mercado interno no Brasil.
V. Essa redução geral e grave da renda do trabalhador brasileiro – injustificável, a todos os títulos – irá provocar também, obviamente, severo problema fiscal para o Estado, ao diminuir, de modo substantivo, a arrecadação previdenciária e tributária no Brasil.
A repercussão fiscal negativa será acentuada pelo fato de o PL provocar o esvaziamento, via terceirização potencializada, das grandes empresas brasileiras, que irão transferir seus antigos empregados para milhares de pequenas e médias empresas – todas especializadas, naturalmente -, que serão as agentes do novo processo de terceirização generalizado.
Esvaziadas de trabalhadores as grandes empresas – responsáveis por parte relevante da arrecadação tributária no Brasil –, o déficit fiscal tornar-se-á também incontrolável e dramático, já que se sabe que as micro, pequenas e médias empresas possuem muito mais proteções e incentivos fiscais do que as grandes empresas. A perda fiscal do Estado brasileiro será, consequentemente, por mais uma razão, também impressionante. Dessa maneira, a política trabalhista extremada proposta pelo PL 4330-A/2004, aprofundando, generalizando e descontrolando a terceirização no País, não apenas reduzirá acentuadamente a renda de dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros, como também reduzirá, de maneira inapelável, a arrecadação previdenciária e fiscal da União no País.
VI. A generalização e o aprofundamento da terceirização trabalhista, estimulados pelo Projeto de Lei, provocarão também sobrecarga adicional e significativa ao Sistema Único de Saúde (SUS), já fortemente sobrecarregado. É que os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais/profissionais em proporção muito superior aos empregados efetivos das empresas tomadoras de serviços. Com a explosão da terceirização – caso aprovado o PL nº 4330-A/2004 –, automaticamente irão se multiplicar as demandas perante o SUS e o INSS.
São essas as ponderações que apresentamos a Vossa Excelência a respeito do Projeto de Lei nº 4.330-A/2004, que trata da ´Terceirização’
Respeitosamente,
Antonio José de Barros Levenhagen; João Oreste Dalazen; Emmanoel Pereira; Lelio Bentes Corrêas; Aloysio Silva Corrêa da Veiga; Luiz Philippe Vieira de Mello Filho; Alberto Luiz Bresciane de Fontan Pereira; Maria de Assis Calsing; Fernando Eizo Ono; Marcio Eurico Vitral Amaro; Walmir Oliveira da Costa; Maurício Godinho Delgado; Kátia Magalhães Arruda; Augusto Cesar Leite de Carvalho; José Roberto Freire Pimenta; Delaílde Alves Miranda Arantes; Hugo Carlos Sheurmann; Alexandre de Souza Agra Belmonte e Claudio Mascarenhas Brandão.
Fonte: Bancários SP