Os participantes do debate “Bancos públicos: Situação atual e perspectivas no governo Lula”, ocorrida na noite de quarta (14), por meio de uma plataforma de videoconferência, foram enfáticos em afirmar que os bancos públicos abandonaram sua responsabilidade de contribuir com o desenvolvimento econômico e social do país, desconsiderando, inclusive, a necessidade de equilibrar o desenvolvimento regional e socioeconômico, pois passaram a atuar como bancos privados, para obter lucros rapidamente.
“Todos sabemos que os bancos públicos serão colocados como locomotiva do desenvolvimento do país, mas também sabemos que este é um papel desafiador, principalmente neste primeiro ano do novo governo, devido ao enorme rombo que está sendo deixado pelo governo está de saída”, observou do secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Gustavo Tabatinga, que é funcionário do Banco do Brasil.
Outra anfitriã do evento, a empregada da Caixa Econômica Federal e diretora executiva da Contraf-CUT, Eliana Brasil, também ressaltou o desmonte promovido em todos os bancos públicos nos últimos anos. “Nossa luta diária será reconstruí-los, pois o que vivemos nestes últimos quatro anos foi uma barbárie. Mas sobrevivemos e, a partir de 2023, com a retomada do rumo de desenvolvimento, mesmo com esta terra arrasada, tenho certeza que vamos conseguir reerguer os bancos públicos e o país”, disse.
Para o secretário de Formação da Contraf-CUT, Rafael Zanon, o debate foi riquíssimo e mostra que a categoria está disposta a debater sobre o tema. “No próximo governo, temos que manter a eficiência dos bancos públicos, mas precisamos entender o que a sociedade e o que os trabalhadores querem deles. E, como estamos envolvidos, precisamos usar não apenas o coração, mas também a razão nesta tarefa”, disse.
PRIVATIZAÇÃO
A representante eleita pelos empregados no Conselho Administrativo da Caixa Econômica Federal e diretora da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Rita Serrano, lembrou que o governo que agora se encerra tinha interesse de privatizar os bancos públicos. “A Lei das Estatais nasceu como PL 555. Todos nós, com certeza, organizamos a luta contra este projeto, que tinha como objetivo facilitar o processo de privatização de todas as empresas estatais do Brasil”, disse Rita.
Ela lembrou que uma das cláusulas obrigava estas empresas a ter capital aberto e outra proíbe que dirigentes sindicais sejam eleitos para os conselhos de administração, o que configura inconstitucionalidade. “Também foi proibido que dirigentes partidários sejam diretores de estatais. “Precisamos melhorar a gestão das estatais, mas isso não pode impedir as pessoas de serem de sindicatos, nem de partidos políticos. Por essas várias razões, a lei é objeto de questionamento no STF (Supremo Tribunal Federal), em ação movida pela Contraf e Fenae em 2017”, completou.
Rita lembrou também que uma das consequências da lei das estatais, foi a desenfreada criação de subsidiárias, que diferentemente das empresas mães, não precisam de aprovação do Congresso Nacional para serem privatizadas. “Aí, criaram diversas subsidiárias para vender as operações mais rentáveis dos bancos. Na Caixa, de três subsidiárias que existiam antes, passaram para 12. No Banco do Brasil já existem 25”, observou.
DESCAPITALIZAÇÃO
Além da venda das operações mais rentáveis, o que tira capital dos bancos, Rita disse que o processo de enfraquecimento da capacidade de os bancos públicos financiarem o desenvolvimento do país também se deu pela exigência da antecipação da devolução dos recursos dos chamados Instrumentos Híbridos de Capital e Dívida (IHCDs), utilizados pelos governos petistas para reforçar o capital destas instituições financeiras para que elas pudessem financiar o desenvolvimento do país.
Para o economista Sergio Mendonça, ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a descapitalização dos bancos públicos coloca uma dúvida sobre a capacidade de eles contribuírem com a reindustrialização do país. “O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, teve que devolver quase R$ 500 bi ao Tesouro Nacional nos últimos anos. Isso coloca uma incógnita sobre sua capacidade de cumprir seu papel”, disse.
Mendonça observou, ainda, que os dados referentes a ativos, depósitos e operação de crédito, mostram que os bancos públicos vêm perdendo importância e participação no mercado desde o governo Temer. “Mas, mesmo assim eles ainda representam 40% do mercado financeiro nacional”, disse, ao informar que Caixa e BB, respectivamente, são os dois primeiros em ativos e operação de crédito e que, em depósitos, o BB é o primeiro e a Caixa o quarto.
BUSCA DESENFREADA PELO LUCRO
Para Rita, nos últimos anos, os bancos públicos se afastaram de seu perfil de atuação social e passaram a atuar na busca desenfreada pelo lucro, inclusive com aumento de taxas de juros e tarifas de serviços bancários, muitas vezes mais altas do que as cobradas pelos bancos privados. “Esta prática também contribuiu para a redução da participação dos bancos públicos na carteira de crédito no país”, avaliou.
Sergio Mendonça explicou que o perfil dos bancos privados prevê realmente a maximização dos lucros. “Eles atuam de forma pró-cíclica. Quando a economia vai mal, reduzem a concessão de crédito para evitar prejuízos e, desta forma, contribuem para que a economia vá ainda mais para o buraco. Além disso, concentram sua atuação em regiões economicamente mais desenvolvidas, com população de maior renda”, explicou.
“Já os bancos públicos, dependendo do governo controlador, claro, fazem o contrário. Quando economia está em queda, eles entram oferecendo credito para alavancar a economia. Oferecem financiamento de longo prazo”, disse, ao acrescentar que esta observação é importante para que se entenda o papel dos bancos e, principalmente, dos bancos públicos. “Mas, atualmente, os bancos públicos estão operando como bancos privados, em busca de lucro e atuando de forma pró-cíclica, obtendo a mesma rentabilidade dos bancos privados, se esquecendo de seu papel de incentivador do desenvolvimento econômico e social do país”, disse.
MASSACRE AOS CLIENTES E TRABALHADORES
Outro ponto, criticado por Rita, que prejudica o atendimento e piora as condições de trabalho da categoria bancária é a redução do quadro de pessoal. “Na Caixa, isso, inclusive, pode ter sido um motivo que desencadeou o aumento do assédio moral, com uma política de perseguição e medo dos empregados, e os levou ao adoecimento”, disse.
Sergio Mendonça também defende que os bancos públicos contratem mais empregados. “É preciso atender bem a população e colocar mais gente cuidando da execução das políticas sociais, como o Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família”, afirmou.
“Além disso, precisamos de bancos públicos que sejam avançados, com novas tecnologias, que possibilitem o uso digital, mas, ao mesmo tempo, que desempenhem um papel relevante à população, que atenda às necessidades das pessoas que não têm acesso a estas novas formas de tecnologia. Ou seja, que sejam avançados, mas que tenham sensibilidade social”, defendeu.
O coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (CEBB), João Fukunaga, também ressaltou a importância de os bancos públicos olharem para as questões sociais. “Hoje, vemos bancos públicos fechando agências que eram superlotadas nas áreas periféricas do país e mantendo abertas seis agências na avenida Paulista, que vivem vazias”, afirmou. “Estão preocupados apenas com regiões e pessoas com alto rendimento. Sem o menor escrúpulo, afirmam que as agências que estão sendo fechadas são aquelas que não apresentam rentabilidade”, completou.
PERSPECTIVAS
A diretora da Fenae abriu sua fala sobre as perspectivas para os bancos públicos observando que o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que a política de privatização acabou e que os bancos públicos voltarão a contribuir com o desenvolvimento do país.
“Não dá para reorganizar os bancos públicos para tocar a política desenvolvimentista de uma hora pra outra. Mas, estamos falando de instituições poderosas, que são capazes de ajudar a repensar este papel e contribuir para a retomada do desenvolvimento do país. E também não podemos menosprezar o patrimônio humano destes bancos. Os trabalhadores, mais uma vez, podem fazer a diferença.”
Sergio Mendonça observou que, graças à PEC da transição, a partir de 2023 haverá uma injeção de recursos na sociedade. “O orçamento vai ficar apertado, mas o sistema financeiro consegue gerar capital. O desafio será preservar a fonte de financiamento dos bancos públicos, como o FGTS, o PIS/Pasep, o FAT, os depósitos judiciais e os fundos constitucionais de desenvolvimento regional, para que eles possam financiar as áreas sociais e retomem as políticas públicas que já foram exitosas”, disse.
Para Fukunaga, só é possível avançar neste debate se houver a regulamentação do sistema financeiro nacional. “O país que a gente está pegando está destruído. Temos que ter narrativas para mostrar o estrago deixado pelo governo Bolsonaro. Um país no qual a Polícia Federal não tem dinheiro para emitir passaportes, além de outros absurdos que vemos diariamente sendo noticiados pela imprensa”, disse.
“Para recolocarmos o país nos eixos temos que olhar a atuação do sistema financeiro e o papel que deve ser desempenhado pelos bancos públicos. E é importante que nós estejamos alinhados para fazer este debate”, completou.
O economista Sergio Mendonça defende que se faça uma discussão aberta sobre o sistema financeiro e o papel dos bancos públicos como ferramentas de regulação do mercado financeiro, forçando a redução das taxas de juros e do spread bancário. “Isso é bastante polêmico, mas é um debate fundamental. E não defendo que os bancos públicos tenham prejuízo, mas que eles contribuam com a redução dos custos financeiros dos brasileiros”, concluiu.
Fonte: Contraf-CUT